No mínimo, um rito de passagem
24.06.2007 Não é a primeira redação que enterro. Pensando bem, comecei minha carreira no Jornalismo fechando a tampa do “Diário de Notícias” há tanto tempo, tanto tempo faz, salvo engano o funeral data da metade mais cinza dos anos 70. Não tinha, pois, idade para ficar triste, mas entendi o que aquilo significava quando tomei chá de cadeira no DP com gente que tinha 20, 30 anos de casa, a maioria gráficos, testemunhas dos grandes tempos de um jornal que conheci já no fundo do poço. O clima de velório na boca do caixa do dono da publicação não apagou do arquivo das minhas lembranças a alegria com a primeira matéria que assinei na vida. Foi lá, no “Diário de Notícias”, lembro disso até hoje com orgulho juvenil.Devo ter o dom de farejar vida nos escombros. Olho para o que sobrou da velha e majestosa sede do “Jornal do Brasil”, nove andares em ruínas, flagrante de abandono da imprensa carioca na principal avenida de acesso ao Rio de Janeiro, e logo se sobrepõe ao meu profundo pesar as histórias de intenso prazer profissional e pessoal que passei naquele prédio. Vivi lá dentro 15 anos em três encarnações, uma em cada uma das últimas três décadas do século passado. Acho que pelo menos metade dos jornalistas que mais admiro hoje em dia eu conheci nos corredores daquele sexto andar, redação. Nunca trabalhei e me diverti tanto quanto lá. Penso muito mais nisso do que no sofrimento que foi acompanhar por dentro o penúltimo capítulo da decadência financeira e moral da grande imprensa mais criativa que o Rio de Janeiro já produziu. Como era gostoso meu JB! Que Deus o tenha, ainda que insepulto!Dói muito menos no meu currículo o triste fim da redação do AOL (American On Line) no Brasil. Já não estava lá quando chegou a notícia da metástase que, em questão de meses, levou o portal ao estado terminal. Hoje, vejo como foi bom ter sido cortado na primeira cirurgia orçamentária, quando a doença começava a se alastrar pelas finanças da empresa. Assisti de longe a agonia dos amigos que ficaram para jogar a pá de cal.Também não cheguei propriamente a enterrar “Bundas” (como diria meu amigo Agamenon Mendes Pedreira, “sem duplo sentido, por favor”), mas, não posso negar: segurei, sim, naquela alça até quase a sepultura. Num momento de descuido do Ziraldo, saí de fininho - mais uma das inúmeras molecagens que aprontei com o melhor amigo do Zuenir. Nada pessoal! Pelo contrário, guardo dessa época o mais profundo respeito pelo caráter magnânimo do pai do ‘Menino Maluquinho’. Vítima de minhas tentativas de fazer piadas – fui o primeiro a perceber, por exemplo, que Ziraldo estava ficando preto na mesma proporção que Michael Jackson embranquecia -, o cara virou dono de revista e me chamou para ser seu colunista. Fabuloso! É isso – e não o fracasso do projeto, a penúria dos proventos e algumas companhias meio esquisitas - que me ocorre contar sobre minha passagem por “Bundas”.Sou da tribo dos que tentam não levar o mundo muito a sério. Sem vocação para amarguras, ou teríamos – eu e meia dúzia que assistimos de perto ao último suspiro do “No.” – sucumbido junto com o site. Caracas! Como eu aprendi a respeito do ser humano naqueles dias em que o troço foi desabando, desabando... Em dois anos, a primeira revista eletrônica brasileira sem base de papel nas bancas, sonho de uma turma cá pra nós já meio velha para se aventurar na imprensa alternativa, estava reduzida àquele grupo de jornalistas experientes reunidos tardes a fio em volta de uma cafeteira velha esquecida na redação-fantasma que ocupava meio andar do imponente prédio da Academia Brasileira de Letras, no Centro do Rio. Rir pra não chorar – visto de hoje, foi uma experiência e tanto. Cascuda, mas instigante.Tanto que saiu dali, daquela terra arrasada pela explosão da bolha da Internet, a semente do NoMínimo. Em junho de 2002, quando colocamos o site no ar de uma plataforma provisória instalada no sótão da minha casa, ninguém nos dava mais que um ano de vida. Nós mesmo, os editores, duvidamos por vezes emplacar o mês seguinte. Nos acostumamos a operar na incerteza, aprendemos a ser criativos na pobreza. Entre jornalistas, fotógrafos e colaboradores de toda sorte, abrimos espaço para quase 300 pessoas expressarem suas idéias, não importa o credo do autor. Somos uma turma aberta a forasteiros, avessa a panelas. Descobrimos que é possível trabalhar muito com intenso prazer, sem estresse. Entre nós cultivamos gentileza, amizade, bom humor e cumplicidade profissional. Curtimos nossas diferenças. Ninguém saiu daqui brigado, ninguém chegou aqui de pára-quedas.De um ambiente de trabalho como este você jamais esquece: NoMínimo terá para sempre destaque entre as grandes paixões de minha vida. O fim, nesse caso, como nos outros que narrei acima, não é a morte. É hora de mudança. Este NoMínimo, do jeito que é agora, deixa de existir no próximo dia 30. Escrevo do dia 23, ainda temos conversas abertas com portais, patrocinadores e anunciantes, acreditamos em Deus de vez em quando... Um novo projeto pode germinar das gestões articuladas de nossa sala aos pés da santa cruz da Igreja da Glória, na mais fina companhia da VídeoFilmes e da revista “piauí”. O certo é que – melhor curtir logo este luto para se livrar dele – o NoMínimo, pelo menos com este nome e esta cara que aí está, será enterrado por contrato daqui a 7 dias, talvez até na véspera para não cair num sábado e estragar o fim de semana de ninguém.Acho que vou sentir falta até do Abstrato, o mais cretino dos comentaristas – ô, raça! -, pra você ver como tenho mesmo uma impressionante capacidade de deletar o que de ruim existe nas coisas boas que vão ficando pra trás. Acredito que, com o tempo, minhas ex-mulheres vão virar parceiras perfeitas, tamanha facilidade tenho para esquecer as crises. Chatos, muito chatos, são só estes momentos inevitáveis em que velamos uma bela história que se acaba. Só por isso espero nunca mais precisar acabar com um casamento ou enterrar uma redação.
Não se percam de mim!
PS: Só para que eu não fique no mercado com fama de papa-defunto de redação, trabalhei também no “Jornal dos Sports”, “Folha de S. Paulo”, “Época”, “Contigo”, “Criativa”, “Veja” e “Veja Rio”, colaborei com o “Estadão”, a “Playboy”, o “Lance!”, um monte de redação sobreviveu bem à minha passagem. Tenho boas lembranças delas, também.
Um comentário:
Tia,
viu só? eu entro sim no seu blog
e tá mto legal!!
bjos da sua sobrinha
Amanda ;D
e a Isabela também!
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